quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

AMOR LIVRE NÃO É BAGUNÇA

Eu tenho visto muitas (muitas mesmo) críticas ferrenhas ao amor livre. Que amor livre mantém solidão, que amor livre é balela, que amor livre é coisa de macho escroto que quer pegar todo mundo, que amor livre é utópico, que amor livre é [insira aqui sua crítica negativa]. O ponto é: eu concordo com essas fita tudo. Concordo mesmo e acho perigoso pra autoestima das pessoas o que essas ideias podem causar.
O problema é que eu acho que isso aí não é amor livre não. Solidão, pegação, utopia, manipulação entre outras coisas podem ser problemas reais sim, mas eles não tem necessariamente a ver com amor muito menos com liberdade, o que me leva a crer que tem muita gente se dizendo adepta do amor livre e/ou criticando o amor livre sem saber ao certo do que tá falando.
E bom, eu não sou ninguém nessa área, eu não tô falando de evidências e tampouco de teorias científicas aqui (até porque até onde me recordo essa área ainda tá meio escassa), mas eu vou falar o que euzinha, Gabriela, diante de trocentos blogs, textos e relatos de vivência que li/ouvi, entendo (e vivo) por amor livre: uma forma de amar em que você faz isso livremente, entenda você o que quiser por liberdade (e informe a pessoa com quem você tá se envolvendo sobre isso, né). É uma forma de amar onde você não necessariamente precisa de exclusividade, mas também não necessariamente precisa de vários parceiros. É uma forma de amar onde você se permite afetar e ser afetado pelo que a outra pessoa tem a lhe oferecer, respeitando desejos, vontades, inseguranças e limitações da outra pessoa, mas, principalmente, de você mesmo. É você amar sem aceitar coisas prontas que te disseram a vida toda que era amor, se permitindo refletir pra ver o que fica e o que vai. E bom, tudo que eu disse aí em cima pode se resumir em: diálogo.
Sim, eu tô falando de conversar.
Bater papo.
Discutir a famigerada relação.
Discordar, concordar, fazer e desfazer acordos.
Sim, eu tô falando de se permitir olhar pra dentro e olhar pra fora, tendo nenhuma, uma ou várias pessoas pra compartilhar isso com você, porque na real a ideia da liberdade do amor livre é que ela te auxilie a decidir isso.
É fácil fazer isso? Obviamente que não.
É bem difícil na real, porque dá trabalho pra cacete ser transparente. Dá trabalho pra cacete trabalhar suas inseguranças pra que elas não dominem a sua expectativa sobre o outro. Dá trabalho pra cacete correr o risco sempre iminente de se ver só. E dá trabalho pra cacete entender que estar só não é solidão.
Mas não é porque dá trabalho que é impossível.
Porque trabalho mesmo eu acho que é criar histórias e máscaras pra que a pessoa que amamos não veja quem realmente somos. Trabalho mesmo é contornar de forma solitária sensações, desejos e expectativas por medo do outro nos deixar de lado. Trabalho mesmo é depositar no outro nossas expectativas sobre o quão bons ou legais somos, entrando em completo pânico se surge uma pessoa tão legal quanto nós – ou pior, mais legal e mais interessante que nós!
Diante disso eu acho que muito provavelmente por esses fatores é que muita gente ache as pessoas a favor do amor livre utópicas, sonhadoras, falaciosas. Porque quando eu falo de amor livre, eu falo de me colocar em primeiro lugar sempre. Eu falo de reclamar do que me incomoda. Eu falo de compartilhar os desejos que sinto por outras pessoas. Eu falo também de querer ouvir os seus desejos pelas outras pessoas, e de ouvir os seus incômodos, e de lidarmos com isso discutindo sentimentos, e não fugindo. Eu falo de dormir com você quando sentir vontade, e com você, e com você também, mas também de dormir com o meu cachorro ao invés de dormir com todos vocês porque quem escolhe isso sou eu. Eu falo de compartilhar ideias, sonhos, comida gordurosa e filosofias, mas de me permitir não compartilhar nada no dia que eu não estiver afim, porque adivinha quem escolhe isso? Eu.
Agora, olhemos ao redor. A gente tem uma sociedade que acredita piamente em “amor pra vida toda”. Em uma pessoinha única e exclusiva que vai suprir seus desejos e necessidades até a sua velhice, que promete se interessar, se apaixonar, amar, achar inteligente, delícia e gente boa você e apenas você PRA SEMPRE. Até o fim dos seus dias. Aí então quando você diz que não quer isso você merecerá amargar na solidão, e caso você não consiga isso, pena é o que sentirão de você por não ter conseguido upar nesse level da vida. E isso, minha gente, eu não sei vocês, mas eu chamo de monogamia tradicional.
Agora lê esse trechinho de novo... vocês ainda acham mesmo que o amor livre é que é utopia?
Prestem muita atenção no que eu vou falar agora: se você tem/acha que tem/quer ter um amor pra vida toda, naqueles moldes descritos ali em cima, tá tudo bem. Tá tudo bem mesmo, é sério. Afinal, a vida é sua, e contanto que você não espere isso de mim em relação a você, estamos suaves. Só que eu confesso que vou me preocupar contigo, porque eu sei o quanto isso é difícil, porque eu também já estive do outro lado do time. A normatividade da nossa sociedade nos faz estar desse lado pelo menos em algum momento da vida. Eu me preocupo porque eu sei que você tem chances bem grandes de encontrar alguém que compartilhe das mesmas ideias que você, mas também receio que as chances de que talvez vocês se esqueçam que pessoas mudam, e que nem sempre um indivíduo muda ou está disposto a mudar no ritmo do outro, são grandes – e é aí que a solidão, as inseguranças, as traições e toda aquela belezura que envolve a monogamia tradicional traz.
Diante disso, será que eu acho que se você se tornar adepto do amor livre você vai ser mais feliz e nunca mais sofrer nada disso?
Sinto lhe informar, mas... não.
O amor livre vai te dar tanto trabalho quanto ou até mais que a monogamia tradicional pra manter. Na verdade eu me arrisco dizer que vai dar muito mais trabalho, porque enquanto a monogamia tradicional já tem suas diretrizes pré estabelecidas desde muito tempo (o que talvez facilite para os casais que querem ser monogâmicos não tradicionais se guiarem), amor livre não tem absolutamente nada estabelecido. Tem só a minha vontade de ser minha, minha vontade de compartilhar amorosamente a  minha vida com uma ou mais pessoas e um monte de gente no caminho afim de bagunça ou afim de falar que eu tô viajando e que as coisas não são assim.
O que eu quero dizer com todo esse textão é: respeitem quando alguém diz que é adepto do amor livre. Respeite que tem pessoas que escolheram outras formas de se relacionar que não foram a sua. Se um dia virem alguém falando algo que eu não disse aqui, respeitem essa pessoa também, porque isso aqui é só minha visão, e pensar o amor de forma livre gera várias interpretações. Se você está em uma relação monogâmica tradicional, entenda que eu não tô criticando o seu relacionamento, mas sim essa estrutura pré moldada de como se relacionar a qual você escolheu seguir. E seguindo essa estrutura, por mais que ela possa ser problemática muitas vezes, você já tem um privilégio social de não ser considerada uma pessoa maluca ou traumatizada pela forma que escolheu se relacionar (serve também pra brancos e homens que não entendem que falamos de categorias, e não dos indivíduos em si, enfim, só um adendo).
E se você achou amor livre interessante, intrigante ou curioso, sinta-se livre pra perguntar qualquer coisa sempre que quiser. A porta está e estará sempre aberta, nós podemos conversar por horas e dias, e você pode até ficar por aqui se quiser, porém lembrando que eu posso te pedir pra sair e encostar a porta quando passar -  o que nem de longe significa que eu não vá te chamar pra voltar.

quarta-feira, 24 de junho de 2015

Desabafo

É um tanto complicado explicar que não se está bem quando o motivo não é relacionado diretamente a você - e isso já é um baita dum sintoma do porque não se está bem.
Há cerca de 2 anos me assumi feminista. E nem de longe foi uma das decisões mais fáceis a serem tomadas, pois se assumir feminista dentro de um contexto cristão-católico-machista-heteronormativo é trazer consigo um letreiro luminoso na testa que diz LOCA EXAGERADA pra uma boa parte da população, mesmo que esse letreiro seja tão verdadeiro quanto as fotos promocionais dos lanches do Mc Donald's. Por vezes rola uma sensação de perseguição - "será que estão olhando pras minhas axilas peludas?", "será que estão julgando minha roupa curta mostrando minhas celulites?", "será que meus amigos e amigas estão incomodados com as minhas atitudes?", “será que eu não estou mesmo exagerando?” - seguida, a passos lentos e cambaleantes, de um lindo letreiro das cores do arco-íris que toca Beyoncé dizendo: FODA-SE. Aí neste momento algumas pessoas que estão lendo vão falar "tá vendo como é loca exagerada nem quer ouvir os outros é mesmo uma feminazi gayzista comunista etc etc etc" e gente, veja bem, não é esse o ponto.

(Ponto importante antes de continuar: se a população na qual você se encontra não sofreu opressão histórica e tem privilégios nessa sociedade, foi mal ae, mas você não é minoria só porque tem gente discordando de você. Apenas compreenda sua posição de privilégio e faça algo pra tornar as coisas ao seu redor menos desiguais. Espero ter sido clara, agora vamos continuar:)

Quando já se está inserida neste contexto feminista há um bom tempo, o olhar passa a ficar cada vez mais acurado. Quando mais situações opressivas se vive e se vê, mais fácil fica identificá-las, e mais fácil ainda fica perder a paciência, pois quando se recebe cantadas na rua todo dia, quando se vê pessoas comentando sobre seus ~pelos errados~ todo dia, quando se vê pessoas ditando regra pra sexualidade alheia todo dia, quando se vê pessoas tomando estereótipos como realidade todo dia, quando se vê pessoas não buscando se informar antes de atacar o amiguinho todo dia, o cansaço fica extremo, e o termômetro de empatia explode. Não é apenas uma empatia de "deve ser difícil o que você passa", mas sim uma empatia de "eu já passei/passo/passarei por isso". Mesmo que não seja comigo, se é com a amiguinha ou o amiguinho isso me dá náuseas. Mal estar físico acomete meu corpo se vejo pessoas repassando informação sem ao menos refletirem sobre o que se trata, se vejo pré-conceitos por causa da orientação sexual, da cor da pele, da visão política ou da religião.
Como li uma vez em um texto da maravilhosa Eliane Brum, se sentir mal nesta sociedade é sinal de saúde, e nunca pude concordar mais. E não é por ser opinião dela, mas sim por isso ser algo embasado, uma teoria construída através dos tempos que acompanhou o desenvolvimento dessa sociedade insana e viu o adoecimento permear a vida de muita gente que bota a mão na consciência e pensa “tem coisa errada demais nessa história”. E o meu sinal de saúde é passar mal. É ter dores de cabeça e nos olhos logo após ler que querem “vetar a ideologia de gênero”. É ter o estômago revirado cada vez que alguém me fala “ce fica querendo mudar o mundo, mas as coisas são assim, não tem o que fazer”, é simplesmente explodir em lágrimas quando uma travesti, uma pessoa negra ou uma minoria religiosa são espancadas, estupradas ou mortas apenas por serem quem são.
É "foda-se" porque ao tornar-se feminista, sendo essa uma definição tão negativada pela sociedade, você precisa ter desconstruído muita coisa. Você precisa ter entendido e sentido na pele alguns pré-conceitos apenas por ser categorizada como mulher. Você precisa ter entendido que se achar feia, sem auto estima e dependente não era coisa só da sua cabeça, que não era coisa só da cabeça de muita gente, e que sim era um fato, estatístico inclusive. Você precisa ter entrado a fundo no assunto porque já estava desconfiando da sua sanidade, e ao adentrar no universo, perceber que muita gente sente a mesma coisa e estuda a respeito a mais de um século. Você então passa a entender que a sociedade é desigual por n motivos, e a busca por equidade é vista como impossível porque muita gente tem diferenciados tipos de privilégios, que fazem com que elas tenham mais voz que você, e que isso não é culpa direta da pessoa em questão, mas que passa a ser quando mesmo ouvindo as reclamações, os estudos sobre o assunto e as estatísticas, ela opta por te chamar de exagerada apenas e seguir em frente. Ser feminista também é entender que nem todos irão concordar pois cada ser humano é único em sua construção, porém que optar pela ignorância (a dos saberes e a da agressividade) não é meramente uma questão de opinião, mas é um fato que por si só explica muita coisa (e que fatos e opiniões são uma zona na cabeça das pessoas, como bem pontuado pelo maravilhoso filme da Pixar “Inside Out”). É entender, de uma vez por todas, que o ser humano é bio-psíquico-social, e que isso não é uma filosofia barata, é filosofia e ciência, e se chama psicologia, e é construída dia-a-dia, de braços dados com os direitos humanos. É entender, enfim, que tudo vai te levar a crer na sua insanidade em prol do conforto alheio, mas que mesmo assim você não vai deixar de apontar textos, discursos, situações e comportamentos que pareçam invasivos e excludentes às mulheres, às pessoas negras, à população LGBT, às minorias como um todo.
E pior ainda que o pré-conceito escrachado e abertamente ofensivo, é o velado. É o “você não precisa ser tão feminista assim o tempo todo”. É o “você não tem o direito de querer que todo mundo concorde com a sua ideologia feminista” (como se o feminismo fosse uma entidade acima do bem e do mal... nesta altura do campeonato já cansei de ser didática, vão pesquisar, por favor), é o “tudo bem ser gay, mas não precisa exagerar”, é o “ideologia de gênero só vai destruir a vida de nossas crianças (vão pesquisar [2]), “o fim da família tradicional é o fim dos tempos” (vão pesquisar [3]), “amor livre é só putaria” (vão pesquisar [4]) e dentre outros exemplos que é melhor não listar pra evitar o mal estar.
Eu não tô pedindo pra você concordar comigo, eu tô pedindo pra você pensar.
Eu tô pedindo pra você por a mão na consciência e ser menos individualista.
Eu tô pedindo pra você parar de pensar no próprio umbigo e olhar ao seu redor.
Eu tô pedindo pra você pesquisar, pra você não aceitar pronto tudo o que ouve ou lê (incluindo meu singelo texto).
Eu tô pedindo pra você parar de diminuir a dor do amiguinho em prol da sua.
Eu tô pedindo pra você se colocar no lugar do amiguinho não com a sua vivência, visão e verdade de mundo, mas com a vivência, a visão e a verdade de mundo dele.
Eu tô pedindo pra você entender que sua religião não é única, e não é porque você acredita nela que ela seja mais verdadeira que as outras.
Eu tô pedindo pra você entender que vive em sociedade e ser individualista tá fadado ao fracasso.
E eu só tô pedindo porque eu não tenho como fazer nada de diferente disso, e mesmo se tivesse, não o faria, pois não cabe a mim impor nada a ninguém.

Agora, se mesmo diante de fatos você insiste em chamá-los de opinião, se mesmo sabendo das estatísticas sobre racismo, homofobia, feminicídio, o capeta a quatro e todos os últimos acontecimentos você ainda insiste que eu estou exagerando, eu não posso te pedir nada além de calar a sua boca diante da minha dor, porque eu não sou obrigada a respeitar quem não respeita as mina, as pessoas negras, as pessoas homossexuais, as pessoas trans e todas as pessoas que você insiste em chamar de exageradas e silenciar.

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Delusion's poem


People with tiny minds
also should have tiny bodies
- not bigger than an ant -
and live on a human's sized world.

That way, their thoughts wouldn't be able to escape,
to be spoken,
to be listened,
or to be seen.

And the world could be able to have
in a tiny quick time,
a tiny little hope
to be a tiny little better.

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

"Nada deve parecer impossível de mudar"


Tenho encontrado na pureza das vozes um ritmo para caminhar,
Já que os passos descompassados preferem não opinar nos pensamentos tortuosos.
Porém em tudo que ouço,
me ouço,
silenciando as agonias ao sentir em minhas entranhas os caminhos não vistos na angústia de toda aflição.
Assim todos os sentidos se voltam à música das falas,
das vozes sem melodia,
dos sons atrelados às vidas que não se pertencem,
ou ainda pior,
às vidas que não se pertencem porquê não sabem.

E diante da falta de sentido,
munida de todos sentidos,
nada mais será capaz de calar as inúmeras vozes que repousam comigo os gritos de todos os nossos silêncios,
Que repetidos no desespero diário donde os fracos não tem vez,
Fazem nascer o desejo de ouvir a voz que há em todos os silêncios repletos de desespero.

quarta-feira, 23 de maio de 2012

Primavera.


Enquanto não sinto,
Fujo,
Me resguardo no que fui e no que procuro ser,
Fecho portas e abro janelas pra melhor sentir o cheiro das flores
- mas sem tocá-las, pois tem espinhos.

Enquanto sinto,
Fico,
Abro as portas para dar livre passagem
ao perfume, aos espinhos
e às petalas, porque são macias
- talvez valha o risco tocá-las.

Enquanto fujo,
Sinto,
O que não fui porque não pude ser,
O que não fui porque não quis ser
e me resguardo no que ainda há de meu em mim
- as flores mortas estão só lá fora.

E enquanto fico,
Sinto e não mais fujo.
As cicatrizes pelas flores mortas
tornam-se sabedoria em botão,
E ao sentir suas pétalas,
sorrio pelo que sou.
- floresci.