Eu tenho visto muitas (muitas mesmo) críticas ferrenhas ao
amor livre. Que amor livre mantém solidão, que amor livre é balela, que amor
livre é coisa de macho escroto que quer pegar todo mundo, que amor livre é
utópico, que amor livre é [insira aqui sua crítica negativa]. O ponto é: eu
concordo com essas fita tudo. Concordo mesmo e acho perigoso pra autoestima das
pessoas o que essas ideias podem causar.
O problema é que eu acho que isso aí não é amor livre não.
Solidão, pegação, utopia, manipulação entre outras coisas podem ser problemas reais
sim, mas eles não tem necessariamente a ver com amor muito menos com liberdade,
o que me leva a crer que tem muita gente se dizendo adepta do amor livre e/ou
criticando o amor livre sem saber ao certo do que tá falando.
E bom, eu não sou ninguém nessa área, eu não tô falando de
evidências e tampouco de teorias científicas aqui (até porque até onde me
recordo essa área ainda tá meio escassa), mas eu vou falar o que euzinha,
Gabriela, diante de trocentos blogs, textos e relatos de vivência que li/ouvi, entendo
(e vivo) por amor livre: uma forma de amar em que você faz isso livremente,
entenda você o que quiser por liberdade (e informe a pessoa com quem você tá se
envolvendo sobre isso, né). É uma forma de amar onde você não necessariamente
precisa de exclusividade, mas também não necessariamente precisa de vários
parceiros. É uma forma de amar onde você se permite afetar e ser afetado pelo
que a outra pessoa tem a lhe oferecer, respeitando desejos, vontades,
inseguranças e limitações da outra pessoa, mas, principalmente, de você mesmo.
É você amar sem aceitar coisas prontas que te disseram a vida toda que era
amor, se permitindo refletir pra ver o que fica e o que vai. E bom, tudo que eu
disse aí em cima pode se resumir em: diálogo.
Sim, eu tô falando de conversar.
Bater papo.
Discutir a famigerada relação.
Discordar, concordar, fazer e desfazer acordos.
Sim, eu tô falando de se permitir olhar pra dentro e olhar
pra fora, tendo nenhuma, uma ou várias pessoas pra compartilhar isso com você,
porque na real a ideia da liberdade do amor livre é que ela te auxilie a
decidir isso.
É fácil fazer isso? Obviamente que não.
É bem difícil na real, porque dá trabalho pra cacete ser
transparente. Dá trabalho pra cacete trabalhar suas inseguranças pra que elas
não dominem a sua expectativa sobre o outro. Dá trabalho pra cacete correr o
risco sempre iminente de se ver só. E dá trabalho pra cacete entender que estar
só não é solidão.
Mas não é porque dá trabalho que é impossível.
Porque trabalho mesmo eu acho que é criar histórias e
máscaras pra que a pessoa que amamos não veja quem realmente somos. Trabalho
mesmo é contornar de forma solitária sensações, desejos e expectativas por medo
do outro nos deixar de lado. Trabalho mesmo é depositar no outro nossas
expectativas sobre o quão bons ou legais somos, entrando em completo pânico se
surge uma pessoa tão legal quanto nós – ou pior, mais legal e mais interessante
que nós!
Diante disso eu acho que muito provavelmente por esses
fatores é que muita gente ache as pessoas a favor do amor livre utópicas,
sonhadoras, falaciosas. Porque quando eu falo de amor livre, eu falo de me colocar
em primeiro lugar sempre. Eu falo de reclamar do que me incomoda. Eu falo de
compartilhar os desejos que sinto por outras pessoas. Eu falo também de querer
ouvir os seus desejos pelas outras pessoas, e de ouvir os seus incômodos, e de
lidarmos com isso discutindo sentimentos, e não fugindo. Eu falo de dormir com
você quando sentir vontade, e com você, e com você também, mas também de dormir
com o meu cachorro ao invés de dormir com todos vocês porque quem
escolhe isso sou eu. Eu falo de compartilhar ideias, sonhos, comida gordurosa e
filosofias, mas de me permitir não compartilhar nada no dia que eu não estiver
afim, porque adivinha quem escolhe isso? Eu.
Agora, olhemos ao redor. A gente tem uma sociedade que
acredita piamente em “amor pra vida toda”. Em uma pessoinha única e exclusiva
que vai suprir seus desejos e necessidades até a sua velhice, que promete se
interessar, se apaixonar, amar, achar inteligente, delícia e gente boa você e
apenas você PRA SEMPRE. Até o fim dos seus dias. Aí então quando você diz que não
quer isso você merecerá amargar na solidão, e caso você não consiga isso, pena
é o que sentirão de você por não ter conseguido upar nesse level da vida. E
isso, minha gente, eu não sei vocês, mas eu chamo de monogamia tradicional.
Agora lê esse trechinho de novo... vocês ainda acham mesmo que o amor livre é que é utopia?
Prestem muita atenção no que eu vou falar agora: se você
tem/acha que tem/quer ter um amor pra vida toda, naqueles moldes descritos ali
em cima, tá tudo bem. Tá tudo bem mesmo, é sério. Afinal, a vida é sua, e
contanto que você não espere isso de mim em relação a você, estamos suaves. Só
que eu confesso que vou me preocupar contigo, porque eu sei o quanto isso é
difícil, porque eu também já estive do outro lado do time. A normatividade da
nossa sociedade nos faz estar desse lado pelo menos em algum momento da vida. Eu
me preocupo porque eu sei que você tem chances bem grandes de encontrar alguém
que compartilhe das mesmas ideias que você, mas também receio que as chances de
que talvez vocês se esqueçam que pessoas mudam, e que nem sempre um indivíduo
muda ou está disposto a mudar no ritmo do outro, são grandes – e é aí que a
solidão, as inseguranças, as traições e toda aquela belezura que envolve a
monogamia tradicional traz.
Diante disso, será que eu acho que se você se tornar adepto
do amor livre você vai ser mais feliz e nunca mais sofrer nada disso?
Sinto lhe informar, mas... não.
O amor livre vai te dar tanto trabalho quanto ou até mais
que a monogamia tradicional pra manter. Na verdade eu me arrisco dizer que vai
dar muito mais trabalho, porque enquanto a monogamia tradicional já tem suas
diretrizes pré estabelecidas desde muito tempo (o que talvez facilite para os
casais que querem ser monogâmicos não tradicionais se guiarem), amor livre não
tem absolutamente nada estabelecido. Tem só a minha vontade de ser minha, minha
vontade de compartilhar amorosamente a minha vida com uma ou mais pessoas e um monte
de gente no caminho afim de bagunça ou afim de falar que eu tô viajando e que
as coisas não são assim.
O que eu quero dizer com todo esse textão é: respeitem
quando alguém diz que é adepto do amor livre. Respeite que tem pessoas que
escolheram outras formas de se relacionar que não foram a sua. Se um dia virem
alguém falando algo que eu não disse aqui, respeitem essa pessoa também, porque
isso aqui é só minha visão, e pensar o amor de forma livre gera várias
interpretações. Se você está em uma relação monogâmica tradicional, entenda que
eu não tô criticando o seu relacionamento, mas sim essa estrutura pré moldada
de como se relacionar a qual você escolheu seguir. E seguindo essa estrutura, por
mais que ela possa ser problemática muitas vezes, você já tem um privilégio
social de não ser considerada uma pessoa maluca ou traumatizada pela forma que
escolheu se relacionar (serve também pra brancos e homens que não entendem que
falamos de categorias, e não dos indivíduos em si, enfim, só um adendo).
E se você achou amor livre interessante, intrigante ou
curioso, sinta-se livre pra perguntar qualquer coisa sempre que quiser. A porta
está e estará sempre aberta, nós podemos conversar por horas e dias, e você
pode até ficar por aqui se quiser, porém lembrando que eu posso te pedir pra
sair e encostar a porta quando passar -
o que nem de longe significa que eu não vá te chamar pra voltar.